Jornal Valor - O avanço da produção da tilápia - Agosto 2022

A lâmina d’água reflete o céu azul aberto em Campo Verde (MT). É inverno, ainda que a pele arda com o sol de 30ºC. Um trator despeja ração em um dos tanques escavados da fazenda Filadélfia, e centenas de peixes respondem ao chamado segundos depois - mais tempo do que de costume, vale dizer, porque a temperatura na água está mais baixa do que fora dela, em torno de 22ºC, inibindo o apetite dos animais.
A propriedade pertence ao Grupo Bom Futuro, um gigante do agronegócio brasileiro conhecido pela produção de soja, milho, algodão e boi. Lá e na fazenda-irmã Água Azul, a piscicultura cumpre um papel estratégico, o de aproveitar uma área infértil, de cerca de 250 hectares, ainda que os R$ 18 milhões que o grupo fatura com a atividade representem apenas uma parcela ínfima de sua receita bilionária.
Espécie nativa do Brasil, o pintado ainda predomina nos tanques da empresa, mas a tilápia vem ganhando espaço. Versátil, a espécie, que chegou ao país na década de 1950, conseguiu se adaptar facilmente ao clima local, rendendo bem em temperaturas em que o desempenho do pintado. O ciclo de engorda da tilápia é também mais curto, e sua carne suave, macia e mais barata agradou ao paladar do brasileiro.
“Todo mundo que fala em criação de peixes, fala em tilápia”, resume o encarregado de piscicultura da Bom Futuro na região, Milton Vicensotto. Uma vantagem é que enquanto a densidade do pintado é de 0,6 peixe por metro quadrado, na criação de tilápia, ela chega a três animais. O ciclo de engorda até o peso ideal de abate, de aproximadamente 6 meses, é um ano mais curto do que o do pintado.

Hábitos de consumo

Entre abril e maio deste ano, o Instituto Axxus ouviu 4,2 mil pessoas para entender seus hábitos de consumo de pescados. O instituto constatou que a tilápia é o peixe preferido de quase 77% dos brasileiros, mas apenas 7% consomem a espécie toda semana. A maioria - 62% do total - consome a cada dois meses ou mais. As razões para o consumo aquém do potencial, segundo os entrevistados, são principalmente a dificuldade de encontrar o peixe no mercado e o preço, que alguns consumidores consideram alto.
Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, no começo de julho, o quilo da tilápia era negociado a R$ 7,70 na região dos Grandes Lagos, na divisa entre São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. O preço é maior que os do suíno e do frango vivos em boa parte do país. Apenas a carne bovina é mais barata.
“Se o preço fosse menor, 76% [dos entrevistados] comprariam mais. Isso só será possível com aumento da oferta e ganhos de escala e eficiência”, diz o professor Rodnei Domingues, do Axxus. “Percebemos que o consumidor compara o filé da tilápia à carne de primeira. Vários depoimentos diziam que o peixe enriquece o prato”.
O preço deve cair nos próximos anos, acredita o setor produtivo, a partir de avanços em genética e manejo, que ajudariam a diminuir os custos. “Vemos as empresas fazendo um trabalho de gestão como nunca antes. Sairemos disso em um novo patamar”, afirma o diretor presidente da Associação Brasileira da Piscicultura (PeixeBR), Francisco Medeiros.
A maior urgência, porém, é fazer o peixe chegar às mercearias das periferias de São Paulo, segundo Medeiros. “Empresas do setor de aves estão entrando nesse mercado e contribuindo bastante. Também há o desenvolvimento de equipamentos e tecnologias. As maiores empresas de genética estão trabalhando no Brasil com a tilápia”, diz.

"Primo pobre"

Ainda que seja o “primo pobre” dos negócios da Bom Futuro, a tilápia já conta com um frigorífico que tem capacidade para abater 7 mil peixes por dia. O grupo também criou a Saciatta, marca para o varejo está presentes em mercados da capital mato-grossense, Cuiabá. “A gente ganhava no volume, mas, como a tilápia permite agregar valor, dava dó de vender o peixe bruto”, diz Olimar Gottems, gerente regional de operações da Bom Futuro em Campo Verde.
A tilápia não tem avançado apenas nas águas de gigantes como a Bom Futuro ou de cooperativas como as paranaenses C. Vale e Copacol, que têm ajudado a fortalecer a industrialização do segmento. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pelo menos 110 mil estabelecimentos criam a espécie no país. Atualmente, a produção nacional de tilápia é de 534 mil toneladas, o que faz do Brasil o quarto maior produtor desse peixe, que representa mais de 60% do volume total das espécies de cultivo no país.

O jornalista viajou a convite do Sindicato Rural de Cuiabá
(Jornal Valor Econômico Online, Agro/SP – 05/08/2022)

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